A CONQUISTA DA AMÉRICA
A questão do outro

Tzvetan Todorov



                                                Professor: Antônio José

                                                Disciplina: História das Religiões

                                                Aluno:       Natalino Rogelio Oliveira Soares

                                                                            
São Paulo – SP
06 de junho de 2005


REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA:

TODOROV, Tzvetan. A conquista da América – A questão do outro. Trad. Perrone-Moises, Beatriz. São Paulo: Martins Fontes. 2003. 287 páginas




RESUMO:

O livro A Conquista da América baseia-se em quatro princípios. Descobrir. Conquistar. Amar. Conhecer.
Em cada etapa o autor descreve as fases que levaram os espanhóis à conquista da América, sem perder de foco a identificação do outro elemento envolvido: o conquistado.
Segundo o autor a data que marca a era moderna é o ano de 1492, ano em que Colombo atravessa o oceano Atlântico, a partir desta data a humanidade muda e desta mudança resulta o que nós somos.


DESCOBRIR
Colombo Hermeneuta

“Desde a mais tenra infância vivi a vida dos marinheiros, e o faço até hoje. Este ofício leva aqueles que a abraçam a querer conhecer os segredos deste mundo”. Pag. 24
            Segundo o autor Colombo está preocupado mais com a natureza do que com as pessoas, pois aquelas têm mais afinidade com Deus do que estas.
            Concordo com o autor, pois Colombo, parece viver em um mundo distante de sua realidade, chegando a ser poético em seus pensamentos, mas sem atentar que o ápice da criação, ou a melhor das criaturas, “feito um pouco menor do que os seres celestiais” (Salmos 8 vers. 5 – NVI), é o homem. Apesar de ser homem ele não atenta para o mesmo, a sua busca em ser o herói o afasta de uma visão humanista.

            Nas páginas 27 à 29, o autor cita a interpretação direcionada de Colombo, que o leva a ver o que deseja, sem ao menos perceber que o período de mais de um mês para alcançar a ilha de Guanaani era contrária a sua interpretação de proximidade do mar, isto leva a Las Casa ao seguinte comentário:
É uma maravilha ver como, quando um homem deseja muito algo e se agarra firmemente a isso em sua imaginação, tem a impressão, a todo momento, de que ouve e vê testemunha a favor dessa coisa”. Pag. 29.

            Uma pessoa que fixa o seu pensamento em algo que muito deseja, pode ter a sua interpretação induzida por esta fixação. Desta forma Colombo interpretava a proximidade de terra, como ela já estivesse próxima. Como um adolescente apaixonado que ao menor sinal da pretendida     interpreta como a reposta esperada, assim agia Colombo acreditando na terra sonhada. Contudo levando-se em conta esta paixão desenfreada, quem mais acreditaria neste sonho além dele? Será que ele realmente pensava assim, louco apaixonado, ou ele não queria colocar em pânico a sua tribulação que longe da pátria, na solidão dos nautas, necessitassem de sonhar como o seu comandante, para vencer o desconhecido? Esta é uma resposta que não se obtém facilmente.

            O autor cita a falta de interpretação do outro, Colombo não os reconhecem como povo, nem que eles possuem uma língua. Colombo não os quer ouvir.
                                               “ Se Deus assim o quiser, no momento da partida levarei seis deles a Vossas Altezas, para que aprendam a falar”. Pag. 42.
            Este pensamento é a sintaxe de quem não reconhece o outro, o não ouvir, o não reconhecer como povo, pois a linguagem é a manifestação máxima de uma cultura. Não reconhecer que os índios possuem língua é considerá-los inferior, é não perceber que há vidas humanas envolvidas, famílias, filhos, esposas. O pior de tudo é não ouvir a outra voz em detrimento a voz que emana de seu interior. Neste ponto pode-se perceber a continuidade do louco apaixonado que sacia os seus desejos sem importar se é amado, a sua fonte de prazer resume-se a si e nada mais. Um sentimento deveras egoísta.

Colombo e os índios
            O autor observa o tratamento dualístico dado por Colombo. Só há duas possibilidades de percepção: Bom ou Mau.
“Sem dúvida, o que mais chama a atenção aqui é o fato de Colombo só encontrar, para caracterizar os índios, adjetivos do tipo bom / mau, que na verdade não dizem nada: além de dependerem do ponto de vista de cada um, são qualidades que correspondem a extremos e não a características estáveis, porque relacionadas à apreciação pragmática de uma situação, e não ao desejo de conhecer”. Pag. 51 e 52.
                        O dualismo empregado por Colombo seguia a sua conveniência. Caso a situação fosse favorável, ele se valia do ‘bon sauvage’, caso fosse desfavorável ele dizia que o selvagem era mau. Isto tudo levando em conta tão somente sua hermenêutica, ou seja, ele não observava os motivos pelo qual os índios agiam, só contava o que ele pensava. Porém o que mais chama a atenção é o dualismo como solução de compreender o outro, esta lógica binária sempre tende a distorcer a interpretação das coisas, pois resume tudo a zero ou um, deixando de lado todo um contexto envolvido. Pode-se exemplificar da seguinte forma: Caso o índio estivesse em situação de desvantagem o de algum modo dando lucro, este era inocente, indefeso e inofensivo; mas se a situação era inversa, o índio era cruel, traiçoeiro e perigoso. A lógica binária sempre atuando em seus contrários. Para quem acredita na alteridade, o dualismo é algo que não se compactua, pois observa pelos extremos sem perceber a grandiosidade da natureza humana.

Crítica sobre Descobrir

            Um homem sonhador, justificando em sua fé o seu desejo em obter prestígio, parte para uma das mais alucinantes aventuras: Alcançar as Índias, terra das especiarias. Apresenta-se como um cruzado dos sete mares, mas assemelha-se a um implacável gladiador, saudando a César pela possibilidade da morte em combate. Talvez assim expurgasse os seus pecados e fosse reconhecido pela história como o maior desbravador dos mares.  Qual o verdadeiro sentimento deste homem? O que o levou a esta obstinada missão? Foi em nome de Deus? Foi em nome da rainha? Foi em seu próprio proveito? A história está cheia de heróis que massacraram, seria este mais um? Que os filhos da América possam um dia responder. Que os filhos da América possam também perdoar e usar de alteridade com aquele que não a usou.

CONQUISTAR
As razões da vitória
            O autor apresenta algumas possibilidades que levou os espanhóis a conquistar: A diversidade de tribos, a superioridade bélica espanhola, as armas bacteriológicas (varíola, gripe), o retardo de Mantezuma em atuar preventivamente contra os espanhóis, a perda de referência religiosa por parte dos astecas, a falta de comunicação entre os índios sobre os acontecimentos, a falta de interpretação dos signos. Pag. 73 a 86.

Montezuma e os signos
O autor relata como os astecas compreendem a relação tempo / espaço diferentemente do conquistador. Enquanto este se utiliza de dimensões cíclicas e lineares, aqueles tinham tudo como cíclicas. Tudo se repete tudo esta previsto, sem esta repetição as coisas ficam imprevistas e confusas para os astecas. Montezuma no afã de compreender a presença espanhola procura resposta em seus agoureiros, mesmo na falta de respostas, ele continua a procurar, até que obtém de um o seguinte relato:
“ Para que creiais que o que digo é a verdade, olha atentamente para este desenho! Ele me foi legado por meus antepassados. –E, tirando então um desenho muito antigo, mostrou a ele o barco e os homens vestidos como estavam pintados [no novo desenho]. O rei viu nele outros homens montados em cavalos e outros em águias voadoras, todos vestidos com muitas cores, chapéu à cabeça e espada à cinta”. Pag. 121.
            Neste ponto o autor faz uma análise profunda do modo de ver o mundo dos astecas: um mundo previsto e programado. E a incapacidade de entender o novo sem olhar o passado que os prejudicou.
            Agostinho Bispo de Hipona diz que o tempo é dividido em “passado presente” (memória), “presente presente” (ação) e futuro presente (esperança). Partindo deste pensamento podemos dizer que o tempo asteca era determinado pelo seu passado, ou seja, a memória tinha mais efeito do que a ação atual. E o pior, o futuro era determinado por esta memória. Ora para os astecas não importava a ação que tivessem se o seu futuro já estivesse determinado, até o futuro dos recém nascidos era assim determinado. E o mais interessante, caso esta memória não existisse, criava-se uma, posicionando-a no passado a fim de se justificar o presente.
            O autor relata que Montezuma teve dificuldade em dar as ordens corretas devido a esta má leitura dos fatos.

Cortez e os signos
            O autor começa a relatar sobre a capacidade de Cortez de compreender os signos astecas, antes de conquistar ele analisa o povo a qual ele se depara, tenta compreender a visão de mundo destes. Percebe a inimizades entre eles, utiliza-se de sua interprete para compreender os outros, adquire vantagens na sua silenciosa guerra de informação. Cortes sabe gerenciar as informações ao seu favor e a faz com eficácia, obtendo vantagem e vencendo as batalhas impostas uma a uma, até se consolidar no poder da nova terra.
            Outro fato observado é a intransigência em dividir a Divindade cristã com as astecas. Montezuma pede permissão para se manter os seus deuses, o que é rejeitado por Cortez,                                                “a intransigência sempre venceu a tolerância”. Pag. 153.
           
            Aqui se pode notar a determinação de Cortez em tirar o referencial daquele povo, pois a vida social e cultural deles girava em torno de seus rituais sagrados. Para os astecas era fácil tolerar o Deus cristão, pois eles o tinham com mais um, ou até como o Deus que se representava da mais variadas formas. Mas o etnocentrismo cristão era bem arraigado, talvez, devido aos anos de combate contra os infiéis mouros, do que aos preceitos cristãos propriamente dito. Basta lembrar que as viagens de conquistas iniciaram-se após a queda de Granada e a expulsão dos judeus da Espanha. Por outro lado a falta de referência religiosa de um povo e a imposição de novo Deus aos astecas fez com que sua cultura sucumbisse à nova cultura imposta pelo conquistador.
           
AMAR
Compreender, tomar e destruir
            Apesar de Cortez compreender relativamente bem o mundo asteca, obtendo vantagem sobre estes, os espanhóis partem para um genocídio sem precedentes até aquela época. Não houve simpatia nem empatia, apenas o desejo de subjugar o outro sem o reconhecê-lo.
             Entre as atrocidades cometidas pode-se citar esta:
“ Queimaram vivos certos índios, outros tiveram as mãos cortadas, ou o nariz, a língua, e outros membros; outros foram entregues aos cães; cortaram os seios das mulheres...”
            É de se admirar como essa crueldade humana se estabeleceu em várias épocas. Apesar de a Bíblia relatar que foi ordem de Deus assolar cidades na palestina, durante a conquista da terra prometida, não se pode deixar de disser que num olhar humano isto é uma crueldade, principalmente quando direcionada a civis que não podiam se defender. O autor fala da crueldade espanhola para com o nativo da América, sem misericórdia para com as crianças. E hoje o homem ainda impulsionado pela vontade de subjugar o outro, utiliza armas químicas como o fez Sadam Russen, os assassinatos cruéis das vítimas do tráfico de drogas, ou mesmo a crueldade de um filho que assassina os pais. De onde vem essa vontade cruel de sangue?

Igualdade e desigualdade
Surge neste capítulo a figura do erudito e filósofo Gines de Sepúlveda que em 1550 envolve-se na célebre controvérsia de Valladolid onde tem a oposição do Bispo de Chiapas, Bartolomeu de Las Casas. O pensamento de Sepúlveda está tomado pelo aristotelismo e de uma visão dualista:

Superiores
Espanhóis
Adultos
Humanos
Homem
Alma
Temperança
Bem
Inferiores
Índio
Criança
Animais
Mulher
Corpo
Intemperança
Mal

            Baseado nesta visão de superioridade e inferioridade ele justifica em argumentos lógicos a dominação sobre o outro. Levando em conta sua visão aristotélica de que o escravo e a mulher não são cidadãos, logo é fácil para este assemelhar o outro a uma posição de inferioridade.
            Como resposta pode-se citar Las Casas:
“ Adeus Aristóteles! O Cristo, que é a verdade eterna, deixou-nos este mandamento: ‘Amarás ao próximo como a ti mesmo! (...) Apesar de ter sido um filósofo profundo, Aristóteles não era digno de ser salvo e de chegar a Deus pelo conhecimento da verdadeira fé” (Apologia, 3). Pag. 234.

Escravismo, colonialismo e comunicação

              O contraponto de Sepúlveda é Las Casas, este dominicano possui uma visão amorosa em relação ao índio, mas percebe-se em seu discurso de assimilação do outro um pequeno conflito, o autor comenta:
“Las Casas ama os índios. E é cristão. Para ele, esses dois traços são solidários: ama-os precisamente porque é cristão, e seu amor ilustra sua fé. Entretanto, essa solidariedade não é óbvia: vimos que, justamente por ser cristão, não via claramente os índios. Será que é possível amar realmente alguém ignorando sua identidade, vendo em lugar dessa identidade, uma projeção de si mesmo ou de seu ideal? Sabemos que isto é possível, e até freqüente, nas relações interpessoais, mas como fica no encontro das culturas? Não se corre o risco de querer transformar o outro em nome de si mesmo, e, consequentemente, de submetê-lo? De que vale então esse amor?” Pag. 245.

              Essa análise é muito precisa. O que se ama no outro? O eu de quem ama ou o outro na sua essência? O cristão que cumpre o ide não pode seguir o caminho de satisfazer o seu amor projetando-se no outro, pois não estará amando o próximo, mas somente a si mesmo. Quantos não trilham esse caminho erradamente? O caminho da auto projeção de si no outro. Daí a perspicácia da pergunta de Todorov, vale apena amar alguém quando se enxerga neste somente o próprio reflexo? Esta análise aponta para a verdade do amor, que não se realiza nos valores de quem ama, mas no que o outro realmente é.
           
            Outra observação a respeito de Las Casas é a questão do negro. Em 1514 ele renunciou a seus índios, mas em 1544 ainda possuía um escravo negro. Então o autor questiona:
“Não seria porque sua generosidade baseia-se no espírito de assimilação, na afirmação de que o outro é como eu, essa afirmação seria esquisita demais no caso dos negros?” Pag. 249.
            Parece que Las Casa projetou-se mais nos índios que nos negros, o que até faz sentido:
1.    Os negros já eram utilizados como escravos, logo sua visão já estava comprometida com essa realidade.
2.    Las Casas praticamente cresceu no novo continente, o que o tornou mais próximo dos índios.
3.    Como Las Casas se projetaria naquele que ele entendia como diferente?
Então, se pode dizer que a falta de empatia para com o negro já estava arraigada na vida do dominicano, de modo que não percebia o quanto estava distante do amor perfeito.

EPÍLOGO
            Nas considerações finais o autor cita um pensamento de Levinas:
“ Nossa época não se define pelo triunfo da técnica pela técnica, nem tampouco se define pela arte, assim como não se define pelo niilismo. Ela é ação para um mundo que vem, superação de sua época –superação de si que requer a epifania do Outro.” Pag. 365.

            O outro só passa a existir na medida em que permite-se sua existência. A epifania é o aparecimento de alguém, neste fenômeno admite-se a sua existência. Logo permitir o seu surgimento é um passo para a alteridade.
            O autor também conclui que ser altero não significa torna-se o outro, ou seja, perde a própria identidade. Mas importante é reconhecer que o outro é alguém, as vezes diferente, mas alguém que vive.

Conclusões do Resenhista
            O livro é rico de fatos históricos, um trabalho de pesquisa séria. Mas o que mais impressiona é a sensibilidade e propriedade com a qual o autor fala do amor, em especial sobre o amor cristão. O autor consegue distinguir o que é um amor projetado pelo eu, do amor genuíno, aquele que consegue ver o outro como ele realmente é. Esta distinção necessita ser aplicada a uma visão prática da vida cristã.
            O verdadeiro cristão não é aquele que aprende a mentir, mas aquele que como Cristo consegue identificar numa mulher adultera o desejo do perdão.
            O que aconteceu na América em nome do cristianismo não foi a missão delegada por Cristo, mas a projeção da incapacidade humana de exercer o amor Ágape. Talvez seja por isso que Jesus ao questionar Pedro sobre se o ama e ao perceber da incapacidade de seu discípulo em responder Ágape, na terceira vez pergunta Fileo. Jesus não deixou de ser o que era, mas sobre compreender Pedro. Talvez seja isto que está faltando para os cristão envoltos em grandes conquista.

Recomendação de leitura
            Este livro é recomendado a todos que desejam compreender sobre alteridade. A estudiosos da história, a teólogos, a filósofos e a pessoas desejosas de poder, pois a conquista deste implica em sofrimento de alguém. Também se recomenda a cristãos que para que cumpram a ordem de Jesus, pois pregar o evangelho não é imposição, mas é amor ao próximo.

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