Negro de alma branca
Negro de alma branca
Eis um rótulo depreciativo para todo o negro, mas útil para reflexão da formação de identidade dos afrodescendentes da diáspora africana do período da colonização (invasão) das Américas.
Certa vez, no canal Futura, o repórter perguntou a um seguidor branco da Religião Jamaicana Rastafari se não havia problema de ele ter a pele branca e seguir uma Religião de matriz Negra. Em uma voz pacífica e harmoniosa, o jovem respondeu que não havia conflitos na cor da pele, o problema não era pele, mas o coração. O coração, continuou a dizer o jovem, que não pode ser branco, mas se for negro estará bem. Ao expandir a explicação, aquele convertido do Rastafari disse que o coração negro é tribal, compartilha, não quer o domínio do outro, muito menos a superioridade, mas a cooperação, a paz e o amor. Já o coração branco, é perigoso, dizia o rapaz, pois escraviza, explora, atribui diferenças entre os iguais, maltrata a natureza.
Essas observações de um jovem branco Rastafari corrobora com o que se diz sobre o negro de alma branca? Eis uma questão que se tem que se enfrentar.
Na verdade a cor é, e sempre será, superficial nesta questão, a diminuição do outro se dá pelos valores associados às questões de interesses mútuos. Apesar da polarização, ou visão binária do mundo, este modo de classificar as coisas não reflete o grande emaranhado complexo que é a humanidade, porém satisfaz a necessidade mínima do "nomos" humano. Quando os interesses estão no mesmo polo, sem importar as cores, um elemento branco age como negro e vice-verso. Mas o que chama a atenção é o "espírito" que congrega a ética religiosa de ambos.
O negro de alma branca é o que se encaixou não somente nos escalões dos valores culturais e cognitivos da cultura Ocidental, mas o que aceita a dominação, manipulação, humilhação, desdém dos milhares de humanos que não possuem as habilidades e conchavos que os põem em destaque na sociedade meritória. O negro de alma branca é o coração branco da reflexão do jovem Rastafari, o que vê no outro o degrau de ascensão. O mérito existe onde há perdedores.
Há pontos de contatos entre as máximas cristãs do amor e o coração Rastafari, a alma negra. A não dominação do outro pelo "mérito" se dá quando se considera o outro como prioridade de amor, cuidar do outro é o mesmo que cuidar de si mesmo, na verdade o mérito cristão é servir, nunca dominar, manipular, explora. Uma alma negra.
Como observado acima, a cor não é o mais importante, ela apenas é a referência de um período, o que importa é a alma, o espírito regente, o modelo que se oferece como ideal. E isso tem feito a diferença na realidade humana, percebe-se que a escolha por um modelo onde não há doação do melhor dos homens para com seus semelhantes, as diferenças sociais se aprofundam, o resultado será poucos privilegiados e muitos alijados.
Um negro de alma branca representa o alijamento dos injustiçados pela escravidão e do racismos estrutural. Um negro de alma branca aponta para o mérito que promove a desigualdade no mínimo da sobrevivência humana: alimentação, educação e saúde. Não há sistema meritório que justifique o milhões de miseráveis que existem no planeta, e quando se diz que não se tem culpa, ouvi-se o coração branco de Caim dizendo: "Sou eu o guardador de meu irmão?"
Há de se reforçar que o problema não são as cores, mas essa metáfora preto e branca alerta para um sistema que classifica pelo mérito baseado na derrota.
Quisera toda alma fosse negra, tal qual a do Rastafari branco que vê no amor o caminho da vitória.
Natalino Rogelio
Río de Janeiro -
2020
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