Eu sou pardo
Meu pai é afro-descendente de cor negra e minha mãe é euro- descendente de cor branca. Sou, pela definição das estatísticas do IBGE, pardo.
Ao ser abordado na rua me chamam de negão, "negozinho" (Rio de Janeiro), moreno (nordeste do Brasil), mas eu sou pardo!
Quando entro nas lojas dos Shoppings Centers, os seguranças me seguem porque eles me acham negro, mas eu ainda sou pardo!
Quando vou procurar um emprego, as pessoas brancas são escolhidas, mesmo que eu apresente melhor currículo, tento argumentar: "Eu sou pardo"!!!
Ao entrar acompanhado de uma loira num restaurante, pessoas comentam, em surdina, “aquele negão ou é jogador de futebol ou bom de cama”. Não dá pra argumentar com ninguém, mas ainda sou pardo!
Imaginem, levei “dura” da polícia porque a “madame” viu um negro parado em frente ao seu prédio. Protestei, “seu poliça”, eu sou pardo!
Pediram-me para cantar samba, dançar capoeira, jogar búzio, fazer uma “mandinga”. Disse que não sabia nada disso, pois reafirmo: sou pardo.
Andando no Planalto Paulista, bairro classe média da capital paulistana, eu morava lá, mulheres, homens, crianças mudavam de calçada, pois me viam negro. Gritei dentro de mim: sou pardo.
Parei no posto de gasolina para abastecer meu carro do ano, o frentista perguntou: Seu patrão não quer trocar o óleo do motor? Educadamente expliquei àquele senhor que o veículo era meu, disse-lhe que não me confundisse com negro, pois minha cor é parda.
Depois de muito pensar descobri que:
1. Quando recebo “benesses” das ações afirmativas, que são muito poucas, do Estado, dizem que não sou negro, que é injusto porque vivo num país igualitário nas questões raciais, afirmam ainda, que a maioria dos brasileiros são mestiços (tivemos recentemente um presidente que se auto-afirmou mulato) e, portanto somos uma nação parda!
2. Quando freqüento os círculos sociais valorados no Brasil, quando tento me afirma como cidadão. Todos os preconceitos existentes na consciência coletiva se opõem na forma de preconceito. Nesta hora fica definida a minha identidade: sou negro, não pardo!
3. Enquanto sou objeto de pesquisa folclórica, sou negro. Ao tentar sentar ao lado dos doutores: sou um pardo aproveitador.

Poderia continuar enumerando, mas fico por aqui, dividido, externamente, na minha identidade negra/parda.
A minha verdadeira identidade é real somente na conveniência de quem me nega o acesso à liberdade! E afirmo isto, pois a libertação somente aconteceu de forma burocrática, no papel chamado lei áurea, pois ainda querem manter minha alma escrava...
Mas eu ainda luto e reluto...
Afirmo com convicção:
EU SOU NEGRO!

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